Atenção, presidente: não há razão alguma para comemorar

A dois dias do aniversário de 55 anos do golpe de 1964, a ditadura militar voltou a ser motivo de debate.

Em mais um de seus impropérios, cada vez mais comuns, o presidente Jair Bolsonaro sugeriu que a data seja devidamente comemorada”.

Para jogar luz ao descabimento da declaração, nossa #CausaDaSemana não poderia ser outra se não o #RepúdioàDitadura.

A declaração do presidente aconteceu na mesma semana em que a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, negou 265 pedidos de reconhecimento de anistiados políticos e anunciou que vai criar uma auditoria para rever as reparações concedidas nos governos passados.

A sucessão de absurdos não pegou bem. O presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, comparou a fala “a querer dirigir olhando para o retrovisor” e parentes de vítimas do regime já solicitaram ao Supremo o impedimento da comemoração.

A postura pode ter, inclusive, consequências nas relações externas do país e enfraquecer a candidatura do Brasil a uma vaga na OCDE. Essa informação só dá um sinal de como o presidente não mede as consequências de seus atos: como  mencionamos na semana passada, a aspiração à entrada no grupo dos países desenvolvidos foi uma das principais pautas da recente viagem de Bolsonaro aos EUA.

O motivo é simples: a atitude pode ser interpretada por alguns países-membros como um ato antidemocrático e de desrespeito aos Direitos Humanos.

Além das consequências práticas, o aceno do presidente a uma época sombria contraria os avanços recentes da sociedade. Como mostrou o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, que analisou por mais de dois anos as violações durante a ditadura militar, o período deixou  434 mortos e mais de 200 desaparecidos.

Na época de sua divulgação, o relatório foi interpretado como o início de uma reparação histórica para um regime criminoso.

Novas investigações mostram que pelo menos 19 crianças foram sequestradas e adotadas ilegalmente por famílias ligadas às Forças Armadas.

O Buzzfeed também compilou 11 histórias de crianças que foram afetadas pela ditadura. Os depoimentos foram retirados do livro Infância Roubada e pode ser acessado na íntegra aqui.

Vale lembrar também que o golpe de 1964 atingiu mais de 6 mil militares com prisões, demissões, mortes e cassações de integrantes das Forças Armadas.

Em meio à espiral de absurdos, esta semana a Justiça reconheceu a primeira vítima da ditadura: um militar morto 4 dias depois do golpe.

Mas ainda há muito a avançar. Um levantamento do portal G1 mostra que o Brasil ainda possui 132 locais, entre ruas, avenidas e praças, que homenageiam a ditadura.

Nós, como cidadãos comuns, também temos a obrigação de conhecer um pouco mais sobre o período – e assim formar nossa própria opinião sobre o legado do regime. Veja 3 maneiras de se envolver:

1_ O projeto Memórias da Ditadura, do Instituto Vladimir Herzog, fez um apanhado de como era a vida no país na época.  

2_O portal Ditadura Nunca Mais é mais específico e destaca o retrocesso da educação brasileira provocado pelo autoritarismo.

3_ Para quem mora em São Paulo, uma visita ao Memorial da Resistência, uma instituição dedicada à preservação das memórias da resistência e da repressão política no país, pode ser reveladora. O museu fica localizado em um parte do edifício que foi sede, durante 1940 e 1983, do Dops, “uma das polícias mais truculentas do país”.

4_ Se o programa for ficar em casa, também dá para escolher um desses 18 filmes sobre o golpe de 1964 e a ditadura militar no Brasil.

Sempre vale destacar que, apesar de vivermos em uma democracia, muitos países ainda possuem restrições de liberdade.

Segundo a ONG Americana Freedom House, atualmente 50 países vivem sob regimes ditatoriais e desde 2006, o nível de liberdade está em declínio.

Qualquer cidadão bem informado não sente a mínima falta de quando o Brasil passou por esse período sombrio.

Se os 21 anos de ditadura ensinaram alguma coisa é que não há defesa possível para o autoritarismo e a falta de liberdade.

Tentar suavizar o período é dizer que todas as atrocidades praticadas na época são perdoáveis e que não aprendemos nada com a história.

Nós aprendemos, senhor presidente.


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