ONG EternamenteSOU criada para idosos LGBTs chama atenção para a solidão do grupo
Para se ter uma ideia, uma pesquisa realizada pela Associação de Aposentados dos Estados Unidos apontou que cerca de 57% de homens gays, acima dos 45 anos, estão solteiros e 46% vivem sozinhos.
Pessoas LGBTIs lutam há séculos pela liberdade de serem quem são, desfrutando de dignidade. O simples direito de constituir uma família foi negado por muito tempo, e, somente nos anos 2000, alguns estados brasileiros começaram a aceitar a união civil homoafetiva, o que evidencia uma realidade desconhecida por muitos, que é a solidão dos idosos desse grupo. Para se ter uma ideia, uma pesquisa realizada pela Associação de Aposentados dos Estados Unidos apontou que cerca de 57% de homens gays, acima dos 45 anos, estão solteiros e 46% vivem sozinhos. No Brasil, a invisibilidade é tamanha que não existem levantamentos sobre essa população, mas, tendo em vista que grande parte é expulsa de casa ainda na adolescência, o avanço da idade só tende a agravar a realidade.
Foi diante dessa preocupação que o administrador Rogério Pedro, 30 anos, começou um trabalho pioneiro de criar um espaço de referência e convivência para esse público. Ele saiu de Brasília, onde nasceu e cresceu, rumo à capital paulista em 2017, com o desejo de conhecer e transformar outras vidas. “Eu estava no trabalho e criei um flyer qualquer com algumas informações. Ao final do meu expediente, fui ao centro de São Paulo e fiz a divulgação de algo que nem existia, era apenas uma ideia”, lembra. “Algumas pessoas entraram em contato comigo através desse flyer, formamos um coletivo e fizemos um abaixo assinado para a criação de um espaço para idosos LGBTs”. A ação resultou em um seminário sobre velhices e envelhecimento da população LGBT e, em 2017, nasceu a Ong EternamenteSOU, que promove a inclusão social e estimula o protagonismo dos integrantes, através de atividades voltadas para saúde e bem-estar.
A Ong EternamenteSou oferece oficinas diárias, que proporcionam dignidade e visibilidade aos idosos, como encontro para jogos, bailes, canto e coral, oficinas de culinária e ainda atendimento psicológico. Durante o isolamento social, acontecem rodas de conversas online, com temas diversos. Hoje, com três anos de existência, a ONG já acolheu cerca de 1.300 pessoas, e formou mais de 5 mil profissionais nos cursos “Papo diversIDADE” e “Introdução Velhices LGBTs”, oferecidos para quem atua com idosos.
“Em 2018 começamos oficialmente nossa atuação enquanto instituição, formada por 230 voluntários, sendo psicólogos, assistentes sociais e advogados, cada um com suas preocupações e necessidades, e criamos uma série de programas, que foram se aperfeiçoando com o passar do tempo”, lembra Rogério.
“Além desses feitos, está sendo discutido na Câmara Municipal de São Paulo um Projeto de Lei para a criação de uma instituição de longa permanência para idosos LGBTIs, que surgiu a partir das nossas reivindicações”, explica. A ideia é levantar incentivos públicos para fomentar a iniciativa. Com a chegada da pandemia, viu-se a necessidade criar conexão com idosos de outros estados, e filiais da ONG foram organizadas no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em Santa Catarina.
Os maiores desafios da EternamenteSOU
Um dos grandes desafios enfrentados pela ONG, segundo Rogério, é o trabalho de educação e reeducação da sociedade acerca das pautas voltadas para o público LGBTI idoso, além da dificuldade de se aproximar deles e mostrar que existe uma ação séria e comprometida com suas necessidades.
A organização também teve perda financeira com a chegada da pandemia — eles não contam com apoio do poder público ou do setor privado; a maior parte da renda vinha de ações realizadas em empresas, como palestras, cursos e eventos com temas sobre violência, invisibilidade e qualidade de vida dos idosos LGBTIs, mas, com a necessidade do isolamento social, a arrecadação foi comprometida. “Contamos com doações, mas nesse período elas têm caído drasticamente. Temos um link para apoiadores mensais, mas a maioria dos custos saem do meu bolso ou dos voluntários”, conta Rogério.
A preocupação com a saúde mental dos idosos
As atividades durante o isolamento se mantêm de forma online, e, para possibilitar o acesso às plataformas de conferência, a ONG oferece um curso. O programa de apadrinhamento também foi ampliado e, dessa forma, garantir um acolhimento digno durante o período. O processo é realizado de forma interna, ou seja: os interessados em se tornar padrinhos ou madrinhas devem entrar em contato com a ONG, e é realizada uma seleção. A ponte com os idosos é feita através de assistentes sociais. Rogério observa que a demanda por atendimento psicológico também aumentou, tendo em vista que o público faz parte do grupo de risco, e o medo de serem contaminados é constante.
“Eles tinham seus refúgios, que era sair, ir a uma festa, visitar um amigo, e tudo acabou. Tenho idosos que não saíram de casa desde o começo da pandemia”, conta. “Estamos falando de idosos LGBTs vivendo uma segunda pandemia, já que anos atrás, houve o surgimento do HIV e consequentemente da Aids. À época, a disseminação do vírus era totalmente associada a essa comunidade.
No entanto, o medo de novas perdas para o coronavírus entre os idosos, acolhidos pela ONG, foi amenizado com a rede de psicólogos da EternamenteSOU — são cerca de 15 terapeutas cuidando clinicamente dos idosos, e ainda existe uma fila de espera para receber esse tipo de atendimento.