Onda Verde: entenda como a legislação europeia de ESG impacta as empresas

A partir de um caso real, entenda o passo-a-passo para construir uma estratégia ESG.

Mudanças têm efeitos de longo alcance em todas as regiões e países, inclusive no Brasil

Por: Leandro Machado

A Europa tem uma longa história de liderança em questões ambientais e climáticas. Da assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997 ao início da implementação do Acordo de Paris em 2016, a região tem sido uma força motriz na promoção de políticas sustentáveis. Além disso, a importância econômica do bloco europeu é inegável. Com cerca de 165 milhões de postos de emprego e um PIB combinado de mais de 17 trilhões de dólares, o Velho Continente ainda é uma potência econômica global e um mercado vital para muitas empresas.

O pioneirismo em políticas sustentáveis que estão mudando os negócios parece um caminho sem volta. Na esteira do Acordo de Paris, foi lançado três anos depois o “Plano de Ação: Financiar o Desenvolvimento Sustentável“, que vem forjando o mercado financeiro europeu desde então.

O Plano de Ação faz parte de esforços mais amplos para conectar o financiamento com as necessidades específicas da economia europeia e global em benefício do planeta e da sociedade. Ele tem como objetivos reorientar os fluxos de capital para o investimento sustentável; gerenciar riscos financeiros decorrentes de mudanças climáticas, desastres naturais, degradação ambiental e questões sociais; e fomentar a transparência e visão de longo prazo na atividade financeira e econômica.

As principais características do Plano de Ação incluem:

  • Estabelecer uma linguagem comum para o financiamento sustentável – ou seja, um sistema unificado de classificação da UE (ou taxonomia) de atividades climáticas, ambiental e socialmente sustentáveis, definindo assim o que é sustentável e quais áreas de investimento podem ser mais eficazes em termos de impacto na sustentabilidade.
  • Criar padrões e rótulos da União Europeia (por exemplo, um rótulo ecológico da UE) para produtos financeiros verdes com base em um sistema de classificação: isso ajuda investidores a identificar investimentos que cumpram os critérios verdes ou de baixo carbono.
  • Esclarecer o dever dos gestores de ativos e investidores institucionais de garantir que eles considerem, de maneira adequada, questões ambientais, sociais e de governança (ESG) em seu processo de decisão de investimento e sejam mais transparentes com seus clientes, inclusive aprimorando os requisitos de divulgação.
  • Exigir que seguradoras e empresas de investimento aconselhem os clientes com base em suas preferências em sustentabilidade.
  • Aumentar a transparência nos relatórios corporativos e melhorar a elaboração de regras contábeis. A Comissão avaliará os atuais requisitos de relatórios e também garantirá que as regras contábeis não desencorajem, direta ou indiretamente, investimentos sustentáveis ​​e de longo prazo.

Cerca de um ano depois de lançarem o Plano de Ação: Financiar o Desenvolvimento Sustentável, focado primordialmente no mercado financeiro, foi a vez de apresentarem o abrangente European Green Deal, no final de 2020, também conhecido como Pacto Ecológico Europeu, ou Acordo Verde Europeu, que visa tornar a Europa o primeiro continente com impacto neutro no clima do planeta. Entre outros objetivos (são dez, no total), estão:

  • Zerar as emissões de gases de efeito estufa, poluentes e substâncias tóxicas até 2050;
  • Abolir o uso de combustíveis fósseis no setor de transporte e promover a transformação da frota de veículos;
  • Modificar os padrões da agricultura para reduzir uso de antibióticos, pesticidas e fertilizantes.
  • Fomentar a economia circular.

Com esse Acordo e outras ações correlatas, que vêm entrando em vigor paulatinamente, a União Europeia está tomando medidas ambiciosas e abrangentes em direção a uma transição econômica verde.

“O Acordo Verde Europeu é, por um lado, sobre reduzir emissões de gases de efeito estufa, mas, por outro, é sobre gerar empregos e dar impulso às inovações”

Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia

Impacto para além das fronteiras

Mas o que acontece na UE nem sempre fica na UE. Devido à natureza global das grandes organizações e de suas cadeias de suprimentos, quaisquer desenvolvimentos de políticas dentro da terceira maior economia do mundo têm efeitos de longo alcance em todas as regiões e países, inclusive no Brasil. E com sua reputação como líder global em sustentabilidade, o que se desenvolve na Europa muitas vezes fornece uma indicação do que está por vir em outros mercados ao redor do mundo.

Essas regulamentações, que abrangem uma ampla gama de questões, desde a redução das emissões de carbono até a promoção da diversidade e inclusão, estão estabelecendo novos padrões para a responsabilidade corporativa.

Para as empresas brasileiras conectadas com aquele mercado (como empresas de capital europeu ou que tenham a Europa como um de seus mercados, por exemplo), essas mudanças representam um desafio significativo. Elas precisam não apenas cumprir as regulamentações brasileiras, mas também garantir que estão em conformidade com as normas europeias. Isso tem exigido mudanças relevantes em suas operações, desde a forma como gerenciam seus recursos até a maneira como interagem com suas partes interessadas.

No entanto – e como era de se esperar, essas mudanças também representam uma oportunidade. Ao adotar práticas de ESG alinhadas à União Europeia, as empresas brasileiras podem melhorar sua reputação, atrair investidores e clientes conscientes e, em última análise, impulsionar seu desempenho financeiro. Além disso, podem ter acesso a novos mercados e oportunidades de negócios.

Nesse sentido, destaco três das principais frentes de mudança já implementadas (ou em fase de implementação) que podem impactar diretamente empresas que operam no Brasil e tenham relação com o mercado europeu:

1- Mudanças Climáticas

O “Pacto Ecológico Europeu” inclui uma série de iniciativas, como o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM), que visa evitar a fuga de carbono, impondo um preço sobre as importações de certos bens de países com normas climáticas menos rigorosas.

O CBAM é uma parte crucial do esforço da Europa para atingir a neutralidade de carbono. Ele visa garantir que o preço do carbono seja refletido nos bens importados, incentivando assim os países a adotarem políticas climáticas mais rigorosas. O CBAM também ajuda a proteger as empresas europeias da concorrência desleal de países com normas climáticas menos rigorosas.

Além disso, a Europa tem se concentrado em combater o desmatamento, com políticas que incentivam a gestão sustentável das florestas. A Diretiva Florestal da UE, por exemplo, exige que as empresas divulguem informações sobre a origem de seus produtos florestais e garantam que eles sejam provenientes de florestas geridas de forma sustentável.

2- Economia Circular

A economia circular é outro pilar importante da legislação ESG da Europa. A economia circular visa reduzir o consumo de recursos e minimizar o desperdício, mantendo os recursos em uso pelo maior tempo possível. A Europa tem promovido a economia circular através do Plano de Ação para Economia Circular, que visa tornar a economia europeia totalmente circular até 2050.

Plano de Ação para Economia Circular inclui uma série de iniciativas capazes de impactar empresas para além de suas fronteiras, como a Diretiva de Resíduos da UE, que estabelece metas para a reciclagem e a redução de resíduos, e a Diretiva de Embalagens, que exige que as empresas reduzam o uso de embalagens e promovam a reutilização e a reciclagem, entre outras.

3- Governança e Transparência

A governança é um aspecto crucial da ESG, e a Europa tem tomado medidas para garantir que as empresas sejam transparentes em suas práticas. A Diretiva de Divulgação Não Financeira (NFRD) exige que as empresas divulguem informações sobre seu impacto ambiental, social e de governança, além dos financeiros. Isso inclui informações sobre políticas, riscos e resultados relacionados a questões como mudanças climáticas, direitos humanos e corrupção.

Além disso, a Diretiva sobre Diligência Devida de Sustentabilidade Corporativa exige que as empresas identifiquem, previnam e mitiguem os impactos adversos de suas operações nos direitos humanos, meio ambiente e boa governança. A diretiva também exige que as empresas divulguem como estão lidando com esses riscos e impactos.

Dados e tecnologia

Como fica claro com as atuais e novas exigências, a qualidade e consistência de dados ESG são fundamentais para a eficácia de uma gestão sustentável. No entanto, muitas empresas ainda lutam para coletar dados acurados, relevantes e de alta qualidade. Isso pode ser devido a uma variedade de fatores, incluindo a falta uma estratégia ESG em si, falta de sistemas de coleta de dados adequados, a falta de compreensão sobre quais dados coletar e como coletá-los, e a falta de padrões universais para a coleta e relato de dados de ESG.

Assim como em outras áreas, a tecnologia pode desempenhar um papel crucial na superação desses desafios. Por exemplo, sendo usada para padronizar e automatizar a coleta e análise de dados de ESG, o que pode melhorar a qualidade e consistência dos dados.

Além disso, a tecnologia pode ajudar as empresas a monitorar e gerenciar seus impactos de ESG em tempo real, permitindo-lhes responder rapidamente a quaisquer problemas que possam surgir e fazer uma gestão mais próxima das demandas de seus stakeholders. Isso melhora a eficácia das práticas de ESG e, em última análise, pode ajudar as empresas a alcançar seus objetivos de sustentabilidade.

Conclusão

Como vimos, essas mudanças na legislação ESG da Europa têm implicações significativas para as empresas que operam na UE e além. Aquelas que não cumprirem essas novas regulamentações podem enfrentar sanções significativas, incluindo multas e restrições à operação.

Além disso, as empresas que não conseguirem demonstrar um compromisso genuíno com a sustentabilidade podem enfrentar danos à sua reputação e perder a confiança dos consumidores e investidores do terceiro maior e um dos mais exigentes mercados do mundo.

As empresas precisam estar cientes dessas mudanças na legislação ESG da União Europeia e tomar medidas para garantir que estejam em conformidade, inclusive lançando mão dos avanços tecnológicos, como inteligência artificial e machine learning, para superar os atuais obstáculos.

Ao fazer isso, essas organizações não apenas cumprirão as novas regulamentações, mas também estarão bem posicionadas para prosperar em um mundo hiperconectado e numa economia cada vez mais sustentável e globalizada.

A CAUSE é uma consultoria que trabalha com ESG e programas de impacto, o que inclui:

  • Estratégia e governança para sustentabilidade;
  • Análise e benchmark para identificar gaps em ESG;
  • Estratégia de performance em ESG;
  • Cultura e engajamento em ESG;
  • Análise crítica de relatos;
  • Comunicação e reporte em ESG; 
  • Desenvolvimento e implementação de programas de impacto positivo.

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