ESG, Impacto e Tecnologia: o papel da Governança na Prevenção de Crises

Como um modelo da indústria de tecnologia pode ajudar outros setores a alcançarem mais diversidade, equidade e inclusão.

Por Leandro Machado

A crescente conscientização sobre a importância do ESG (Environmental Social and Governance) tem levado as empresas a repensarem suas estratégias de negócios e a considerarem o impacto de suas atividades em todas as dimensões, usando a tecnologia para coletar e analisar dados para a tomada de decisões. Já contei aqui o caso de um setor inteiro repensando sua estratégia ESG.

No entanto, a dimensão de Governança tem sido frequentemente negligenciada, o que pode levar a crises corporativas que afetam não apenas a empresa, mas também seus stakeholders e a sociedade como um todo. Em papo recente com a Roberta Machado, CEO da Inpress Porter Novelli, referência em gestão de crises corporativas no Brasil, ela me contava que todas as últimas crises que havia gerenciado eram relativas à governança – e em grande medida relacionadas à questões de diversidade.

A má gestão de questões de diversidade, equidade e inclusão (DEI) tem sido um fator importante em muitas crises corporativas recentes não só no Brasil, mas no mundo ocidental como um todo. Por aqui, a importância é dobrada, visto a sociedade diversa e desigual que temos. Mas já há exemplos e caminhos (academicamente e empiricamente fundamentados) a serem seguidos e é isso que veremos no artigo de hoje.

A Importância de DEI na Dimensão ESG

A dimensão de Governança é fundamental para garantir que as empresas sejam gerenciadas de forma ética e responsável. Isso inclui questões como transparência, prestação de contas, gestão de riscos e conformidade com leis e regulamentos – e principalmente questões de diversidade, equidade e inclusão (DEI).

A inclusão e a diversidade são fundamentais para o sucesso de uma empresa, pois permitem que a empresa acesse uma ampla gama de perspectivas e ideias. Além disso, também são importantes para garantir que a empresa reflita a sociedade em que opera, atendendo às necessidades de seus clientes e stakeholders.

Contexto Brasileiro

O Brasil é um país diverso racialmente, mas com estruturas historicamente racistas que limitam o acesso de pessoas negras e pardas a oportunidades de educação, emprego e liderança. Segundo o IBGE, em 2021, a população brasileira era composta por 47% de negros e pardos, 43% de brancos, 9,5% de outras raças e menos de 1% de indígenas.

No entanto, a representatividade de pessoas negras e pardas em cargos de liderança e tomada de decisão ainda é baixa. Quanto maior o cargo, menor é a presença de pessoas negras: menos de 5% dos cargos executivos e dos conselhos de administração, segundo dados do Instituto Ethos. Faça um teste rápido: tente lembrar o nome de 3 CEOs de grandes empresas brasileiras que são negros (e falhe miseravelmente).

ACT REPORT

Essa falta de representatividade pode levar a uma falta de perspectivas e ideias diversas na tomada de decisão, o que pode afetar negativamente o desempenho da empresa. Além disso, a falta de inclusão e diversidade pode levar a um ambiente de trabalho tóxico e desmotivador para funcionários negros e pardos, o que pode afeta a retenção de talentos e, consequentemente, a reputação da empresa.

Sabendo disso, grandes universidades norte-americanas como Harvard e Universidade da Califórnia se juntaram a empresas como Google e a institutos como o Aspen Institute para criar um Grupo de Trabalho para catalizar os avanços de DEI na indústria de tecnologia. Os especialistas do Grupo de Trabalho se reuniram quinzenalmente durante um ano para agregar as abordagens mais relevantes que as empresas podem adotar para melhorar radicalmente os resultados do DEI – todas baseadas em evidências.

E o principal resultado desses encontros foi o relatório ACT Report – Action to Catalyze Tech: A Paradigm Shift for DEI. Esse estudo foi liderado pela minha mentora no mestrado, Professora Iris Bohnet, que o trouxe como objeto de análise para a concorrida matéria Ciência Comportamental Para Organizações Inclusivas, que tive a oportunidade de fazer no início do ano passado.

O Framework MOST

Ainda que pensado com um enfoque na indústria de tecnologia, vários modelos e insights desse estudo servem para uma miríade de setores e organizações. Um desses modelos é o MOST.

Para ajudar as empresas a gerenciar melhor a dimensão de Governança, o ACT Report propõe o framework MOST (Model, Operationalize, Share, Transform). Ele é baseado nas recomendações mais importantes do relatório e fornece um guia prático para as empresas implementarem mudanças significativas em suas práticas de governança relacionadas à DEI.

Model (Model and Incentivize Inclusive Leadership)

A primeira etapa do framework MOST é Modelar e incentivar liderança inclusiva. Isso significa que os líderes da empresa devem ser modelos de comportamento ético e responsável, e devem incentivar uma cultura de inclusão e diversidade em toda a organização.

Recomendações práticas para os CEOs:

  • Aumente seu expertise pessoal em DEI
  • Estabeleça DEI como um imperativo de negócio

Operationalize (Operationalize DEI Throughout the Business)

A segunda etapa é Operacionalizar DEI em todo o negócio. Isso significa que a empresa deve aplicar uma mudança de mentalidade para interromper, reimaginar, e redesenhar estruturas e sistemas existentes para garantir que a inclusão e a diversidade sejam incorporadas em todas as áreas do negócio.

Recomendações práticas para os CEOs:

  • Apoie DEI com recursos, métricas, estratégias e prestação de contas
  • Redesenhe sistemas, incluindo contratação, retenção e promoção, para retirar vieses comportamentais nocivos.
  • Aplique tanto uma abordagem de DEI quanto uma abordagem ética ao desenho de produtos e serviços.

Share (Share DEI Data, Metrics and Goals)

A terceira etapa é compartilhar dados, métricas e objetivos de DEI. Isso significa que a empresa deve colaborar com competidores e outros membros da indústria para alinhar a coleta e o relatório de dados, a fim de medir e melhorar o progresso em todo o setor.

Recomendações práticas para os CEOs:

  • Apoie a criação de padrões de reporte para toda a indústria/setor e divulgue dados anonimizados
  • Estabeleça metas públicas

Transform (Transform Pathways into Tech for Underrepresented Talent)  

A quarta e última etapa é transformar os caminhos para talentos sub-representados. Isso significa que a empresa deve investir significativamente em educação e transformar os caminhos de formação para grupos sub-representados, a fim de garantir que todos tenham acesso igual às oportunidades de carreira na tecnologia.

Recomendações práticas para os CEOs:

  • Invista em organizações que conectam talentos de grupos subrepresentados a empresas
  • Advogue para que Ciência da Computação seja matéria obrigatória em todas as escolas (como essa recomendação é bem específica para tech, vale uma reflexão sobre como isso poderia ser feito em outros setores).

Crises Corporativas relacionadas à Governança e DEI

Como lembrei no início do texto, a má gestão de questões de governança e DEI pode levar a crises corporativas que afetam a reputação da empresa e a confiança dos stakeholders – e isso significa perdas de milhões de dólares ou reais. Alguns exemplos recentes de marcas globais que enfrentaram crises relacionadas à DEI incluem:

Uber

Em 2017, a Uber enfrentou uma série de crises corporativas relacionadas à governança e DEI. Isso incluiu alegações de assédio sexual e discriminação de gênero, bem como a revelação de que a empresa havia usado software para enganar reguladores e concorrentes. Essas questões levaram à renúncia do CEO da empresa e a uma investigação do Departamento de Justiça dos EUA.

Facebook

O Facebook também enfrentou várias crises corporativas relacionadas à governança e DEI nos últimos anos. Isso incluiu a revelação de que a empresa havia permitido que dados de usuários fossem usados ​​indevidamente pela Cambridge Analytica, bem como alegações de discriminação racial e de gênero na empresa. Essas questões levaram a uma queda na reputação da empresa e a um aumento da pressão regulatória.

Carrefour

A crise no Carrefour parece contínua: as entidades que fecharam um acordo com o Carrefour em 2021 depois da morte do homem negro João Alberto Silveira no mercado em Porto Alegre/RS processaram a empresa mais uma vez, apontando novos casos de racismo na rede de supermercados. A ação foi apresentada há um mês pela Educafro e o Centro Santos Dias de Direitos Humanos.

Conclusão

Em um mundo em que o mercado está cada vez mais consciente da importância do ESG (Environmental Social and Governance), as empresas estão repensando suas estratégias de negócios e considerando o impacto suas atividades em todas as dimensões.

A gestão de questões de diversidade, equidade e inclusão (DEI) é uma parte importante da dimensão de Governança. A inclusão e a diversidade são fundamentais para o sucesso de uma empresa, pois permitem que a empresa acesse uma ampla gama de perspectivas e ideias, além de garantir que a empresa reflita a sociedade em que opera e atenda às necessidades de seus clientes e stakeholders.

No entanto, essa dimensão tem sido frequentemente negligenciada, o que pode levar a crises corporativas que afetam não apenas a empresa, mas também seus stakeholders e a sociedade como um todo.

Para evitar tais crises relacionadas à governança e DEI, as empresas devem adotar práticas de inclusão e diversidade, como a criação de um ambiente de trabalho inclusivo e a promoção de liderança inclusiva. Além disso, as empresas devem investir em educação e transformar os caminhos de formação para grupos sub-representados, a fim de garantir que todos tenham acesso igual às oportunidades de carreira.

O framework MOST proposto pelo ACT Report fornece um guia prático para as empresas implementarem mudanças significativas em suas práticas de governança e DEI. As empresas que adotam esse framework podem não apenas evitar crises corporativas, mas também gerar valor para suas marcas e criar um impacto positivo na sociedade.

A CAUSE é uma consultoria que trabalha com ESG e programas de impacto, o que inclui:

  • Estratégia e governança para sustentabilidade;
  • Análise e benchmark para identificar gaps em ESG;
  • Estratégia de performance em ESG;
  • Cultura e engajamento em ESG;
  • Análise crítica de relatos;
  • Comunicação e reporte em ESG; 
  • Desenvolvimento e implementação de programas de impacto positivo.

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