ESG: como fazer

A partir de um caso real, entenda o passo-a-passo para construir uma estratégia ESG.

Por: Leandro Machado

A partir de um caso real, entenda o passo-a-passo para construir uma estratégia ESG.

Construir uma estratégia ESG do zero não é trivial.

E não é só em razão do tamanho do esforço a ser empreendido.

Sob o ponto de vista de um consultor em ESG, também é um trabalho difícil de se encontrar.

Seja porque boa parte das empresas já construiu estratégias que englobam questões de sustentabilidade ou já desenvolvem programas e ações nesse sentido – e, portanto, não partem do zero.

Ou porque ainda são poucas aquelas que desejam repensar e reformular completamente o que vinham fazendo. E elas sabem que desenhar uma nova estratégia de negócios (que contemple as questões sociais, ambientais e de governança) requer um processo cuidadoso e profundo.

Não é à toa: a empresa que está comprometida e quer fazer uma estratégia que aproveite os desafios socioambientais como oportunidades de negócios precisa entender cuidadosamente o contexto em que está inserida, seus públicos e os impactos que causa – positivos e negativos, pra dizer o mínimo. E sabe que isso implicará em revisão de rotas, investimentos e até desinvestimentos


Um caso concreto

Para exemplificar esse processo, escrevo hoje sobre como foi a construção da estratégia ESG de longo prazo para o setor sucroenergético da Guatemala, desenvolvida pela Collab CAUSE + Inpress Porter Novelli para a Associação dos Produtores de Cana de Açúcar daquele país.

E trago esse exemplo por três motivos: primeiro porque você, leitor, pediu mais casos reais (lembra aquela pesquisa no final da última edição da newsletter Conexões de Impacto?); segundo porque acabei de liderar a entrega desse trabalho, então está tudo fresco na mente. E, por fim, porque é um exemplo de estratégia que fizemos de ponta-a-ponta. Um daqueles casos ainda raros de uma organização que quer construir uma estratégia completamente nova, reavaliando e priorizando o que já vinha sendo feito.


Contexto da Guatemala e do setor

Em um país de natureza exuberante, mas ainda marcado pela pobreza e desigualdade, a cana de açúcar desponta como uma potência econômica há décadas. No mercado internacional de produção de açúcar, a Guatemala já é o terceiro colocado em produtividade – o que mostra o investimento histórico do setor em inovação e tecnologia.

Paisagem da Costa Sul da Guatemala, com vulcões ao fundo. Foto: Leandro Machado.

Em pouco espaço, eles produzem muito. Mas os produtores de cana de açúcar desse país centro-americano estão pressionados por vários lados:

  • clientes globais mais exigentes em práticas ambientais, sociais e de governança;
  • um mercado cada vez mais competitivo mundialmente;
  • no nível local, alto fluxo migratório para os EUA, o que gera escassez de mão de obra local;
  • legislações mais restritivas;
  • parte da opinião pública pressiona o setor para que “façam mais”;
  • comunidades de entorno, pela falta quase absoluta da presença do Estado guatemalteco, exigem cada vez mais do relacionamento.

A Associação dos Produtores de Cana de Açúcar investiu muito ao longo dos anos em diversas ações, projetos e programas de Responsabilidade Social Corporativa. Mas sabia que precisava criar uma nova estratégia para esse novo contexto de pressões e oportunidades.

Foi aí que entramos e começamos a desenhar essa estratégia.


Como Fazer

Nos projetos conduzidos pela Collab, utilizamos uma metodologia baseada nos anos de experiência da CAUSE em projetos de sustentabilidade, com o aporte de comunicação estratégica e reputação da Inpress. Essa metodologia contempla alguns passos coordenados entre si, que orientaram nosso trabalho na Guatemala e que estão representados, grosso modo, a seguir:

Passo 1: Fazer um diagnóstico completo

O primeiro passo é fazer um diagnóstico completo sobre a atuação da empresa ou do setor, seus impactos ambientais e sociais, seu mercado, seus principais públicos e o contexto sócio-econômico em que está inserida. Isso os ajudará a entender seus pontos fortes e fracos e a identificar áreas de melhoria. Será a base da estratégia.

Em ação: Começamos fazendo um mergulho profundo na associação, no setor sucroenergético e em pesquisas e materiais existentes. Depois, fizemos uma visita in loco nos engenhos e plantações de cana da Costa Sul da Guatemala. Ao mesmo tempo, estávamos fazendo entrevistas em profundidade com atores-chave, fazendo o mapeamento digital (netnografia) para descobrir os principais atores no mundo digital sobre o tema e aplicando um auto-diagnóstico com alguns colaboradores dos engenhos, além de um benchmark com outras empresas e associações desse mercado. Na sequência, entrou em campo um antropólogo contratado especialmente para percorrer mais de 50 comunidades para realizar uma etnografia, entrevistar as pessoas, entender os anseios e demandas das comunidades e entender o contexto local e a relação com a cana de açúcar. Todo esse conjunto de informações gerou um amplo diagnóstico que serviu de base para o início da construção da estratégia.

Em uma das comunidades visitadas, moradora seca produção de milho. Foto: Leandro Machado.

Passo 2: Revelar o propósito da empresa

O segundo passo é ter claramente definido o propósito da empresa ou setor. O propósito deve ser uma declaração clara e concisa que descreve a razão de ser da empresa e o impacto que ela deseja ter no mundo.

Em ação: Revelamos o novo propósito do setor e os valores que orientam esse propósito – e esse exercício foi feito com o conselho de administração da associação. Foi um passo importante, pois ajudou a orientar toda a estratégia que seria desenhada a partir dali. Igualmente desafiador pois não se tratava da visão de uma empresa, com um só acionista: estamos falando de uma associação da indústria, com quase duas dezenas de competidores sentados em torno de uma mesa para discutir um propósito e valores comuns.

Passo 3: Matriz de públicos e materialidade

O terceiro passo é realizar o exercício da matriz de materialidade. A matriz de materialidade é uma ferramenta que ajuda a empresa a identificar os temas mais relevantes para seus principais públicos. Há várias metodologias disponíveis para uma empresa identificar os temas que são importantes para seus principais públicos e priorizá-los.

Em ação: refizemos a matriz de materialidade do setor, entrevistando cerca de duas centenas de stakeholders (atores-chave), entre colaboradores dos engenhos e da associação, empresários, CEOs, membros das comunidades do entorno, fornecedores, etc. Dessa matriz, priorizamos cerca de 7 temas materiais (como uso de água, poluição do ar, uso do solo, entre outros).

Passo 4: Mapear os principais riscos

O quarto passo é mapear os principais riscos nas dimensões ambientais, sociais e de governança. A empresa deve identificar os riscos que podem afetar sua reputação, seus resultados financeiros e sua capacidade de operar de forma sustentável a longo prazo.

Em ação: criamos uma matriz de risco a partir do diagnóstico e da matriz de materialidade, separando-os e combinando-os por dimensão. Elencamos riscos de pelo menos quatro aspectos: sociais, ambientais, político-jurídicos e de mercado/operacionais.

Passo 5: Definir visão ESG de longo prazo

O quinto passo é definir uma visão ESG de longo prazo, bem como ambições, objetivos e metas claros para cada uma das dimensões. A empresa deve definir uma visão clara do que deseja alcançar em termos de sustentabilidade e responsabilidade social e estabelecer metas específicas e mensuráveis para cada dimensão do ESG.

Em ação: Esse foi o coração do trabalho, a parte mais importante: definir a visão ESG de dez anos, ambições, objetivos e metas. No caso da Associação de Cana de açúcar, isso resultou em 42 metas distribuídas nas três dimensões (ambiental, social e de governança). Para chegar nesse ponto, foram mais de 40 horas de reunião com a equipe senior da Associação e as lideranças de sustentabilidade de vários engenhos associados. Essas metas incluem: redução de pegada hídrica, aumento de mulheres na indústria da cana, aumento acima da média da escolaridade de crianças e adolescentes da região de influência dos engenhos, entre muitas outras.

Ambições, objetivos e metas sendo definidos em série de reuniões com equipes da Associação e dos engenhos. Foto: Leandro Machado.

Passo 6: Detalhar um plano de ação

O sexto passo é aterrisar a visão, ambições e metas em um plano de ação tático/operacional e implementá-lo. A empresa deve definir os programas e ações específicas que serão tomadas para alcançar suas metas e objetivos, responsáveis, recursos financeiros e prazos para implementação. A partir daí, deve implementá-las de forma sistemática e consistente.

Em ação: Mais outras 40 horas de reuniões de trabalho com a equipe dos engenhos e da associação foram necessárias para detalharmos o plano de ação e validarmos com o conselho da Associação e CEOs das empresas (engenhos). Esse macro plano foi entregue contendo as ambições, metas e os programas e ações necessários, responsáveis, prioridades, e estimativa de recursos para, ao longo de dez anos, entregar todas as metas estabelecidas na estratégia.

Passo 7: Definir indicadores e governança da estratégia ESG

O sétimo passo é definir o conjunto de indicadores e o sistema de governança da estratégia ESG. A empresa deve definir quem será responsável pela implementação da estratégia ESG e como ela será monitorada e avaliada ao longo do tempo, bem como os indicadores para revisões e correções de rota. Esses indicadores devem ser claros e mensuráveis para conseguirem avaliar o progresso de sua estratégia ESG e indicar ajustes quando necessário.

Em ação: Aprovamos o sistema de governança dessa estratégia: quais os principais indicadores, quem implementa e lidera o quê e quais os fóruns de monitoramento e decisão. Nesse estágio foram de suma importância os técnicos da Associação e os diretores e gerentes industriais dos engenhos, pois são aqueles que já acompanham alguns indicadores, como consumo de água, gestão de queimas e número de colaboradoras, por exemplo.

Passo 8: Definir o plano de comunicação e engajamento

O oitavo passo é definir o plano de comunicação e engajamento para a estratégia. A empresa deve comunicar sua estratégia ESG de forma clara e transparente para seus principais públicos e engajá-los em sua jornada de sustentabilidade e responsabilidade social, fazendo com que os feedbacks desses públicos se tornem insumos para a gestão.

Em ação: o time de comunicação estratégica da Inpress Porter Novelli apresentou e validou um plano de comunicação e engajamento para o setor e para as associadas, que passa não só por definição de melhores canais e refinamento/alinhamento de mensagens-chave, mas até por um rebranding da associação.

E isso foi só o começo. A partir de agora é que a implementação e a transformação terão início!


Conclusão

A construção de uma estratégia ESG é um processo complexo e desafiador, mas extremamente importante para empresas e setores que desejam se manter competitivos e relevantes em um mundo cada vez mais consciente e exigente em relação às questões socioambientais.

É fundamental que a alta direção esteja envolvida e liderando o processo, garantindo que a estratégia esteja conectada com o negócio e com o contexto em que a empresa está inserida, levando em conta as demandas dos diversos públicos e tendo indicadores claros e relevantes para medir o progresso.

O caso da Associação dos Produtores de Cana de Açúcar da Guatemala é um exemplo inspirador de como uma organização pode se reinventar e construir uma nova estratégia ESG de ponta a ponta, levando em conta o contexto socioeconômico em que está inserida e as pressões e oportunidades do mercado.

A metodologia utilizada pela Collab CAUSE + Inpress Porter Novelli, baseada em um diagnóstico completo, definição de propósito, matriz de públicos e materialidade, mapeamento de riscos, definição de visão e metas claras, plano de ação, governança e comunicação eficaz, é um guia valioso para outras empresas e setores que desejam seguir o mesmo caminho.

Ao investir em uma estratégia ESG, as empresas não apenas contribuem para um mundo mais sustentável e justo, mas também fortalecem sua reputação, atraem e retêm talentos, reduzem riscos e custos, aumentam a inovação e a competitividade e geram valor para seus acionistas e para a sociedade como um todo. É hora de agir e fazer a diferença!

Obs: esse conteúdo foi extraído da newsletter Conexões de Impacto, de Leandro Machado. Se quiser receber o conteúdo com frequência, assine no link.


LEANDRO MACHADO

Cientista político, especialista em advocacy e engajamento.

Sócio cofundador da CAUSE, Leandro é mestre em administração pública pela Harvard, com ênfase em liderança, gestão e ciências da decisão. É um dos fundadores do conselho diretor da RAPS – Rede de Ação Política pela Sustentabilidade e do Tem Meu Voto. Cofundou o Movimento Agora! e é membro do júri internacional do Global Teacher Prize.

Em 2015, foi eleito como Jovem Líder Global pelo World Economic Forum.

A CAUSE é uma consultoria que trabalha com ESG e programas de impacto, o que inclui:

  • Estratégia e governança para sustentabilidade;
  • Análise e benchmark para identificar gaps em ESG;
  • Estratégia de performance em ESG;
  • Cultura e engajamento em ESG;
  • Análise crítica de relatos;
  • Comunicação e reporte em ESG; 
  • Desenvolvimento e implementação de programas de impacto positivo.

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