Desespero e resignação
Acho que esse é o núcleo duro da reportagem e o fato que insistimos em ignorar: Nós, brasileiros, convivemos com a violência policial e, em muitos casos, a defendemos.
Rodolfo Witzig Guttilla
Hoje pela manhã, a jornalista Lucia Guimarães postou em sua página no facebook a capa do The New York Times deste 22 de maio. Como estou na cidade “que nunca dorme” (é o que diz a canção de John Kander e Fred Ebb), desci até o lobby do hotel para apanhar um exemplar do diário.
A reportagem principal assinada pelos correspondentes Simon Romero e Taylor Barnes traz o Brasil em destaque. Novamente, por motivos obscenos e torpes. A foto de dois policiais subindo o morro com armas de fogo pesadas (um deles em posição de ataque) em meio a civis, certamente moradores da comunidade em que se desenrola a operação de busca, é chocante. Assim como o título: “Despair, and Grim Acceptance, Over Killings by Brazil’s Police” (“Desespero e resignação com violência policial no Rio”).
O texto inicia rememorando a morte trágica do menino Eduardo de Jesus, sumariamente executado no dia 2 de abril de 2015, por um policial em ação no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio. Eduardo tinha dez anos. Como sabemos, diferentes agências de defesa de direitos humanos apontam que nessa guerra civil não declarada, as principais vítimas são adolescentes de bairros pobres, principalmente negros.
Traçando um paralelo com a realidade americana, a reportagem mostra que, em 2013, mais de 2.200 pessoas foram mortas por policiais no Brasil. Nos Estados Unidos da América (cuja população supera a do Brasil em 100 milhões de habitantes) foram mortos, também por policiais, cerca de 460 cidadãos, no mesmo período. Ainda segundo o jornal ianque, as causas dessa situação de anomia social são bastante conhecidas por pesquisadores e especialistas no tema: a capacitação e o treinamento dos policiais para lidar com situações de risco são deficientes; os salários, por sua vez, muito baixos; por fim, há um forte senso de impunidade na corporação.
Os leitores que acompanham com assiduidade jornais e outros meios de comunicação publicados no Brasil podem estar se perguntando: Que novidade traz a reportagem? Afinal, dirão com razão, nas últimas décadas a imprensa brasileira tem dado ampla cobertura às mortes cometidas por policiais (um marco nesse sentido foi a cobertura dada à “Chacina da Candelária”, ocorrida na noite de 23 de julho de 1993, próximo à Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, em que oito jovens foram brutalmente assinados por policiais militares), bem como aos crimes hediondos cometidos por criminosos e facções criminosas contra cidadãos comuns. De fato, parece não haver novidade, mas tão somente linha de continuidade.
Se o leitor persistir, irá encontrar a suíte e o desfecho da reportagem na página A6, ainda no primeiro caderno do jornal: Quatro colunas de texto, e outras duas fotos – a central de Terezinha Maria de Jesus e José Maria Ferreira de Souza, pais do menino Eduardo. O subtítulo não é menos chocante do que o da primeira página, talvez mais eloquente: “Muitos brasileiros aceitam a violência policial de forma resignada”.
Acho que esse é o núcleo duro da reportagem e o fato que insistimos em ignorar: Nós, brasileiros, convivemos com a violência policial e, em muitos casos, a defendemos. Traçando novamente um paralelo com a situação norte-americana, os repórteres lembram que a morte recente de dois jovens negros por policiais despreparados colocou em situação de alerta as cidades de Baltimore e Ferguson, tomadas de assalto por forte convulsão social.
Para o bem das gerações futuras, não podemos encarar essa situação vil com resignação. A sociedade civil (por meio de associações de moradores, de parentes de vítimas da violência, e defesa de direitos humanos) precisa estar pronta e preparada para defender suas causas. De forma a banir a impunidade e a chacina de jovens em nosso país.
Rodolfo Witzig Guttilla
http://www.aberje.com.br/acervo_colunas_ver.asp?ID_COLUNA=1470&ID_COLUNISTA=123