Beleza no Cárcere: projeto profissionaliza e humaniza mulheres trans encarceradas
O curso começou no presídio José Parada Neto, em Guarulhos (SP), e cerca de 9 pessoas conseguiram se formar, entre elas homens gays.
Texto: Esmeralda Angelica
Fotos: Beleza no Cárcere
A jornalista e maquiadora Juliana Zaroni, de 45 anos, sentia a necessidade de transformar o mundo desde muito pequena. “Eu já questionava sobre as desigualdades, e foi isso que me levou para sociologia e política, onde aprofundei meus estudos sobre feminismo e encarceramento em massa”, explica.
Estudar sobre questões de gênero também foi um motor para que o projeto “Beleza no Cárcere” pudesse nascer em 2019 — um curso de maquiagem que tem objetivo de profissionalizar mulheres trans encarceradas, para que, ao sair da prisão, elas possam ter oportunidades no mercado de trabalho. “O projeto é o resultado de toda essa minha jornada tanto pessoal quanto profissional, principalmente enquanto mulher, e de tudo o que eu aprendi no jornalismo, na maquiagem e principalmente em sociologia e política”, conta.
A ideia foi sendo construída aos poucos; Juliana trabalhou como maquiadora com coletivos trans em eventos direcionados para o público. “Reparei que grande parte das mulheres trans são sobreviventes do cárcere e também, como ocorre com muitas travestis, são criminalizadas.
Em contraste a isso, tem a falta de oportunidades no mercado de trabalho, de ter uma profissão”, conta Juliana. “A maquiagem tem um papel diferente na vida de uma mulher trans. Para elas, tem toda uma questão de reafirmação do gênero, e aí veio a ideia de fazer um curso para mulheres encarceradas”.
Preparação para o curso
Navegando pelas redes sociais, ela viu um post que procurava uma maquiadora para fazer um dia de beleza no CPD (Centro de Detenção Provisória) de Belém, em São Paulo: foi a oportunidade de ouro para que ela colocasse seu plano em ação. “Imediatamente, entrei em contato com a pessoa e fui ao presídio. Lá, fiz amizade com o diretor de Políticas Específicas da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), e, desde então, não parei de visitar”, explica.
Desde a ideia até a conclusão do curso, foi mais de um ano, porque o projeto precisava passar por uma série de aprovações e protocolos que não dependiam de Juliana. Sem nenhum apoio financeiro, ela começou a se movimentar: “Enquanto esperava, fui mobilizando pessoas na minha rede para arrecadação de maquiagem e os equipamentos necessários para o curso e também fui atrás de voluntários. Hoje temos uma rede incrível de pessoas que colaboram com o curso”.
Levando cor para um mundo cinza
O curso começou no presídio José Parada Neto, em Guarulhos (SP), e cerca de 9 pessoas conseguiram se formar, entre elas homens gays. “Tínhamos 25 estudantes, mas a dinâmica para garantir que todos concluam o curso é muito complicada. Foram 6 meses de aulas e, por ser um período longo, pessoas são libertas, transferidas ou vão para o castigo, esse tipo de ocorrência impede a conclusão”, explica a maquiadora. Nas outras unidades, são feitos workshops e oficinas de maquiagem.
Um dos desafios na aplicação do cursos é que as alunas não podem levar os materiais da aula para treinar nas celas. Logo, o impacto não é só a profissionalização dessas mulheres, mas principalmente a humanização e o contato com a feminilidade, já que dentro de presídios masculinos, onde boa parte delas está detida, isso é negado. “É um mundo muito duro, muito cruel com essas mulheres. Lá dentro elas não são chamadas pelo nome social, não têm acesso a itens de beleza como uma penitenciária feminina. Então, esse espaço se tornou de reafirmação do gênero, um espaço lúdico de brincar com as cores, de escuta e aprendizagem principalmente. O propósito maior do projeto é amenizar pelo menos por algumas horas o trauma que é para uma travesti estar em um presídio masculino, amenizar aquela experiência de ter toda a sua subjetividade como mulher apagada”.
Uma das mulheres impactadas pelo curso foi a Lolla, retratada em uma reportagem do Fantástico em março de 2020 — Lolla saiu do presídio no meio do curso e, depois da notoriedade na mídia, recebeu inúmeras propostas de trabalho. No entanto, a pandemia atrapalhou esse processo, adiando o caminho profissional dela no mercado da beleza.
Pinceladas de Liberdade
Juliana deseja ampliar o trabalho que já acontece dentro das penitenciárias, mas dessa vez, ultrapassar os muros e alcançar as mulheres que já foram libertas. Para isso, ela desenvolveu o “Pinceladas de Liberdade”, um curso também profissionalizante, mas para as egressas do sistema penitenciário. O objetivo é que elas ganhem estrutura e formação para se tornarem profissionais e trabalhar os traumas e cargas de uma pessoa que já esteve encarcerada. “Queremos tratar esse aspecto da vivência no cárcere e da formação profissional e fazer essa mulher ser uma cidadã, conhecer seus direitos, deveres e ser uma pessoa”, explica. Para que o trabalho possa acontecer, Juliana precisa do apoio financeiro, afinal, o projeto precisará de assistentes sociais, psicólogos e aporte financeiro para gerir a iniciativa.
Para adoar, acesse o link: vaka.me/1399008