Ainda é necessário esclarecer conceitos: lobby x advocacy

O objetivo dessa coluna é contribuir para superar, mesmo que em parte, esse desafio, ao apresentar elementos que possam distinguir de maneira mais rigorosa os termoslobby e advocacy.

Andréa Gozetto [1] e Leandro Machado

Os conceitos são fundamentais quando tentamos expressar a forma como vemos o mundo e compreender o seu funcionamento. Um conceito só é útil quando é possível, por meio dele, expressar uma noção geral sobre o objeto de nosso interesse e, ao mesmo tempo, elaborar uma ideia ou noção que contenha completamente o seu significado. Para isso, é necessário apresentar a sua especificidade, ou seja, o que o torna único. Formular conceitos precisos é especialmente importante para a área de relações governamentais, haja vista que o lobby é uma atividade abrangente, complexa e sofisticada. No entanto, essa tarefa é difícil porque, de um lado, se restringirmos demais o conceito, não será possível apreender a atividade em sua complexidade. De outro lado, se for abrangente demais, ele não será útil para identificar a especificidade do lobby frente a alguns conceitos correlatos e que, muitas vezes, são utilizados como sinônimos, como é o caso do conceito de advocacy.

Go All: conheça o case de advocacy que impactou o tratamento de câncer no Brasil

De maneira abrangente, lobby é definido como uma atividade realizada por grupos de interesse com o objetivo de influenciar a política vigente ou moldar políticas futuras a favor do grupo, por meio da interação direta ou indireta com os tomadores de decisão.

A legislação norte-americana conceitua lobby como todo contato que vise dar suporte à defesa de interesses, o que inclui qualquer comunicação oral ou escrita (incluindo uma comunicação eletrônica) a um membro do Poder Executivo ou Legislativo feito em nome de um cliente com a intenção de formular, modificar ou adotar legislação, regra, programa ou política pública federal e a implementação dessas políticas (subvenção, empréstimo, ou licença; nomeação ou confirmação de uma pessoa para uma posição que esteja sujeita à avaliação do Senado).

Muitos estudos norte-americanos utilizam-se dessa definição para tentar restringir a abrangência do conceito e torná-lo operacionalizável. Todavia, ao menos dois problemas podem ser apontados. Em primeiro lugar, esses estudos concentram-se apenas na ação dos grupos de interesse que a lei requer que se registrem. São desconsiderados, por exemplo, grupos do próprio governo, sobretudo as agências governamentais em nível nacional e subnacional, uma vez que elas não são obrigadas pela lei a se registrar. Em segundo lugar, esses estudiosos trabalham com um conceito demasiadamente vago, o que diminui a sua aplicabilidade empírica. Sendo assim, ao mesmo tempo em que restringir o conceito de lobby a uma definição puramente legal pode excluir muitos interesses, uma definição muito abrangente pode tornar-se muito imprecisa (Thomas, 2004).

No Brasil, o desafio dos estudiosos do tema é ainda maior, uma vez que (i) não há sequer uma definição legal a ser utilizada; (ii) o termo lobby é utilizado de forma pouco rigorosa tanto pela imprensa quanto pelos próprios profissionais da área e (iii) há um forte estigma de marginalidade a envolver a atividade.

O objetivo dessa coluna é contribuir para superar, mesmo que em parte, esse desafio, ao apresentar elementos que possam distinguir de maneira mais rigorosa os termoslobby advocacy.

De forma mais restrita, é possível conceituar lobby como “a defesa de interesses junto a membros do poder público que tomam decisões” (Mancuso & Gozetto, 2013).

Como se sabe, advocacy, assim como lobby, é um termo em inglês, ainda sem tradução para o português. Esse termo é frequentemente utilizado por ONGs e movimentos sociais, para definir suas ações de defesa de interesses. O termo lobby é rechaçado, pois a ação dessas organizações do campo social estaria voltada exclusivamente para a promoção do bem público e de grandes causas sociais (direitos humanos, meio ambiente, erradicação do trabalho escravo e infantil etc.), enquanto que, as ações de lobby, empreendidas sobretudo por empresas privadas, associações setoriais e profissionais envolveriam sempre a defesa de interesses particularistas.

Nos Estados Unidos, as organizações da sociedade civil possuem grande tradição emadvocacy e há abrangente literatura sobre o tema. No Brasil, o significado de advocacyainda está em fase de construção e é preciso levar em consideração fatores como as estratégias e táticas utilizadas pelas organizações, suas características e seu histórico de desenvolvimento, assim como a ideologia que suporta suas ações para que se chegue a um conceito mais rigoroso (Brélaz, 2007).

Apesar de o termo ainda estar sendo cunhado no país, pode-se assumir, pela experiência internacional, que uma estratégia de advocacy contemporânea tem por objetivo gerar maior conscientização sobre uma causa pública, engajar atores relevantes na discussão, para então pressionar, via aqueles outros atores, o tomador de decisão. Portanto, uma campanha de advocacy, como é feita hoje em democracias mais maduras – e ainda de forma inicial no Brasil -, pode conter ações de defesa de interesses/lobby, mas não se restringem a elas.

Uma campanha de advocacy necessariamente contém atividades de comunicação, relações públicas e engajamento com vários outros grupos da sociedade e não somente com o tomador de decisão em si, pois visa ao mesmo tempo conscientizar e engajar uma parcela maior da população, bem como impactar uma determinada política.

Assim, em termos práticos, advocacy poderia ser descrito como o processo organizado e planejado de informar e influenciar tomadores de decisão, por meio de conscientização e engajamento de outros atores da sociedade, tendo como objetivo promover mudança (ou manutenção) de uma política pública de interesse amplo, baseada em evidências concretas.

Tanto uma campanha de lobby quanto de advocacy deve necessariamente ser um processo organizado e planejado, já que engloba várias atividades e práticas e pretende envolver vários grupos da sociedade. Primeiramente, há que se entender quais são esses grupos de interesse, suas pautas e interesses naquele assunto. Para isso, dados e evidências concretas são fundamentais: pesquisas, coleta de dados, entrevistas e toda sorte de informação que esteja disponível sobre o tema da política pública em questão. A partir daí a estratégia de comunicação e engajamento de cada um desses grupos é desenhada, bem como a mensagem central a ser disseminada.

Comunicar claramente qual é a causa, sua importância e o que precisa ser feito para que ela se torne realidade é central em uma campanha de advocacy. Essa mensagem precisa ser una, convincente, precisa estar presente em todas as comunicações, de todos os atores envolvidos, sem obviamente ser uma imposição. Portanto, precisa ser engajadora e ter sido elaborada a partir de sofisticadas técnicas de comunicação. É fundamental que se pense e adapte a mensagem, inclusive, para os diversos meios e formatos usados por esses grupos.

Uma estratégia efetiva de advocacy geralmente envolve vários tipos de ação de comunicação e relacionamento: ações de imprensa, patrocínios a eventos sobre o tema, produção de papers acadêmicos, inserções de rádio e TV, vídeos virais, criação de páginas na internet, ações de rua, panfletagem, reuniões políticas e atividades tradicionais de lobby.

Campanhas de advocacy tratam de maneira especial a forma como as mensagens serão entregues, pois é essencial que fique claro para o tomador de decisão que parcelas cada vez mais expressivas da sociedade defendem aquele ponto de vista, ou seja, advogam por aquela causa. Para isso, o planejamento e a organização são fundamentais.

Portanto, não é possível confundir uma ação de comunicação ou uma ação de lobbyisolada com uma campanha de advocacy: esta última requer diversas e variadas ações coordenadas entre si.

Parece haver mais similaridades do que diferenças entre as atividades de lobby eadvocacy, sobretudo quando se observam as estratégias e táticas empregadas em ambas.

Contudo, há dois elementos que fundamentalmente diferenciam advocacy e lobby. O primeiro é o tipo de estratégia utilizada para influenciar o tomador de decisão e o segundo diz respeito à natureza da política pública a ser defendida. Campanhas deadvocacy privilegiam estratégias que procuram influenciar o tomador de decisão de forma indireta, por intermédio da mobilização da opinião pública (outside lobbying strategies), concentrando-se na defesa de políticas públicas de interesse amplo que trarão impacto positivo para a sociedade civil como um todo.

Referências Bibliográficas

BRÉLAZ, G. Advocacy das organizações da sociedade civil: um estudo comparativo entre Brasil e Estados Unidos. FGV/EAESP, Dissertação de Mestrado, 2007.

MANCUSO, W. P. & GOZETTO, A. C. O. Lobby e Políticas Públicas. In: LUKIC, Melina Rocha, TOMAZINI, Carla (coord). As Ideias também importam: abordagem cognitiva e políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2013.

THOMAS, C. S. Research Guide to U.S. and International Interest Groups. Greenwood Publishing Group, 2004.


[1] Cientista Política especializada em defesa de interesses, Andréa é doutora em Ciências Sociais pela Unicamp (2004) e mestre em Sociologia Política pela UNESP-Araraquara (1998). Cursa o pós-doutorado em Administração Pública e Governo pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É coordenadora acadêmica do MBA em Economia e Gestão – Relações Governamentais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) MGM, professora pesquisadora da Universidade Nove de Julho e professora do MBA em Gestão Pública do Centro Universitário SENAC. É consultora da Gerência de Desenvolvimento Associativo (GDA) da CNI. Publicou diversos artigos sobre defesa de interesses no Brasil, como:Interest groups in Brazil: a new era and its challenges (2014), Lobby e Políticas Públicas no Brasil (2013), Lobby e Reforma Política (2012), Lobby: instrumento democrático de representação de interesses? (2011) e Estratégias de ação dos grupos de interesse empresariais e de trabalhadores no Legislativo federal brasileiro (2011).

Texto publicado originalmente na coluna da Profa. Andrea Gozetto.


Compartilhe:

Linkedin Facebook Whatsapp