Conflito de gerações
Custa crer que nossos governantes não perceberam ainda que a comunicação, principal arma da política, está sendo drasticamente reformulada e, por óbvio, está descartando antigas práticas moldadas em um mundo analógico.
Mais uma vez, o governo Geraldo Alckmin pareceu ignorar o contexto em que vivemos. Na questão da reorganização escolar, ficou claro que a administração estadual reincidiu no erro de tomar decisões monocráticas, dentro dos gabinetes do Bandeirantes, e somente conversar com as partes interessadas depois – isso quando aceita conversar. Parecem não ter percebido ainda que diálogo prévio com as partes interessadas não é uma questão de esquerda ou direita, de ideologia política ou de situação versus oposição. É uma demanda da nossa era, do mundo digital no qual vivemos. A nova geração, justamente essa que está sendo “reorganizada” pela Polícia Militar, é filha deste mundo novo hiperconectado e hiperinformado. Essa meninada gasta a maior parte de suas horas dando opinião sobre tudo e sobre todos nas redes sociais. Os educatecas no governo acreditavam mesmo que esses jovens não gostariam de ser ouvidos sobre a suas próprias escolas – e antes de qualquer decisão ser tomada?
Sem entrar no mérito da reorganização, se era necessária ou não, se atingiria os objetivos propostos ou não, o que nos chama a atenção é a falta de conexão do governo – e, sejamos justos, de quase qualquer governo atual, em todos os níveis – com este novo mundo conectado que se impõe a todos nós. Custa crer que nossos governantes não perceberam ainda que a comunicação, principal arma da política, está sendo drasticamente reformulada e, por óbvio, está descartando antigas práticas moldadas em um mundo analógico. E mais: ainda não se deram conta de que esse jovem conectado está, consequentemente, se interessando mais por política, como demonstraram os resultados da pesquisa Tempos Voláteis, que em setembro passado entrevistou quase 2 mil pessoas na cidade de São Paulo. Considerando apenas os jovens de 18 a 24 anos entrevistados, notamos que 49% daqueles que não tem acesso à internet declararam que a política não lhes interessava em nada, contra somente 33% dos jovens conectados à internet. Os números provam o que qualquer observador de bom senso consegue notar nas manifestações de rua que têm ocorrido desde 2013: quanto mais jovem e conectado, maior é o interesse por temas políticos.
É razoável pensar que esta é uma questão geracional, ou seja, que os nossos líderes políticos ainda pensam ser suficiente ter uma conta no Facebook ou no Twitter (gerenciadas por jovens nativos digitais), mas não entendem patavinas deste novo modelo mental exigido pela revolução digital. Não entendem porque, de uma hora para outra, o mundo se tornou mais transparente, com menos segredos e com mais atores. Não conseguem entender, por desconectados que estão, que esta revolução traz consigo não somente as ferramentas digitais, mas um modo de pensar e, principalmente, de tomar uma decisão bastante diferente de como acontecia há uma década. Esta revolução nos coloca o imperativo de saber quem são nossos públicos, com quem devemos dialogar, quem devemos engajar. Este conectado mundo novo traz consigo também a necessidade de diálogo e engajamento permanente com esses principais públicos de interesse, e não somente depois que uma certa decisão é tomada.
Em suma: o debate sobre a reorganização escolar já deveria estar acontecendo há pelo menos um ano, para poder ser implementado no final de 2015, como a administração estadual desejava. O governo deveria ter começado a informar e engajar os públicos de interesse (no caso, alunos, professores, gestores e profissionais da educação, sindicatos, Ministério Público, meios de comunicação e ONGs relacionadas ao tema, bem como governos locais, para citar os principais) nesta discussão com pelo menos um ano de antecedência. Deveria ter iniciado e fomentado a discussão, e coletado, processado e incorporado eventuais sugestões de todos os públicos interessados, para então tomar a decisão e implementá-la. Contrariando a lógica do nosso tempo, o governador preferiu seguir o caminho analógico de sempre: decidir dentro dos gabinetes, publicar no Diário Oficial e fazer cumprir, na sequência, a golpes de cassetete. Deu no que deu.